Li o livro "Auto da Alma" de Gil Vicente, pelo facto de gostar bastante de Teatro e de querer ver obras distintas do "Auto da Barca do Inferno" deste autor. Parti para esta leitura talvez com algumas ideias do que seria esta obra, pelas opiniões que já tinha ouvido...
A história começa enquanto a Alma, acompanhada pelo Anjo, vão caminhando rumo ao Paraíso. No entanto, o Diabo aprece e começa a aliciar a Alma, oferecendo-lhe coisas, nomeadamente dizendo que ela poderia retornar à vida.
A princípio a Alma resiste... Mas essa resistência não dura muito mais, pois ela acaba por ceder a uma das ofertas do Diabo, e veste um luxuoso manto e uns sapatosde Valência (muitos conhecidos e conceituados na altura).
Ao ver que a Alma cedeu ao Santanás, o Anjo, apesar de um pouco desapontado com a atitude dela, não a abandona e continuam o percurso rumo ao Paraíso.
Acabam por chegar à Igreja (que aprece no fundo como uma figura soberana) onde estão os quatro Doutores da Igreja: Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Tomás e São Jerónimo. Lá, a Alma cofessa que não sabe de onde vem e não sabe bem quem é.
Entretanto, o Diabo está lá fora furioso e pensa que a Alma vai sair da Igreja e vai ter com ele. Mas isso não acontece.
Ao ouvir a história de Jesus Cristo, contada pelos quatro Doutores auxiliados pela Estalajadeira (que é como é apresentada a Igreja), a Alma arrepende-se de ter aceite as prendas do Diabo e de ter pecado. Despe o manto e descalça os sapatos e acaba por ficar com o Anjo.
Eu associei uma passagem específica do livro, quando a Alma confessa que não sabe de onde vem, assim como não sabe bem quem é, à Filosofia. Pois, no fundo, estas dúvidas desta personagem acabam por se tornar questões filosóficas. Isto corresponde à seguinte passagem do livro:
"Não sei pera onde vou:
sou selvagem,
sou ua alma que pecou
culpas mortais
contra Deos que me criou
à sua imagem
Sou a triste, sem ventura,
criada resplandecente
e preciosa,
angélica em fermosura
e per natura,
como raio reluzente
lumiosa.
E por minha triste sorte,
e diabólicas maldades
violentas,
estou mais morta que a morte
sem deporte,
carregada de vaidades
peçonhentas."
No entanto, para mim, esta obra teve uma significado muito maior do que o facto de estar ligado à Filosofia. Aqui, Gil Vicente, realçou a importância que a amizade pode ter. O facto de um amigo não ser aquela pessoa que está sempre lá para nos dizer que estamos a fazer tudo bem, mas sim aquele que nos chama a atenção quando estamos a ir por caminhos errados e quando tomamos decisões menos conscientes. Amigo é aquela pessoa que, como o Anjo foi para a Alma, nunca nos abandona, apesar de nem sempre sermos correctos para com ela.
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