quinta-feira, 27 de outubro de 2011

" O Fogo e as Cinzas", Manuel da Fonseca

O livro “O Fogo e as Cinzas”, de Manuel da Fonseca aborda um conto que nos fala de um homem  que todos tratavam por Sr. Portela – a personagem principal – que se debate entre um amor que gostava de ter vivido e uma velhice solitária.
Este conto, movimenta-se desde do início até ao fim com uma história entre o passado e o presente, daí ser utilizado o recurso expressivo analepse.
Os sentimentos mais presentes neste texto são: a saudade, a nostalgia, a melancolia e uma mágoa profunda. Estes são sentidos essencialmente pela personagem principal.
O conto fala de uma realidade que ainda hoje é actual e embora se tente travar, torna-se impossível; refiro-me ao primeiro capítulo do livro “O Largo”, que nos retrata o Largo – um local cheio de vida, onde tudo acontecia: brigas, brincadeiras, boatos, … – que era o centro do mundo para quem habitava ali. Mas com a vinda do comboio, a agitação mudou-se para a Vila. Toda aquela vida do Largo desaparece, até ficar com a população reduzida aos velhos reformados.
Depois do autor nos situar no espaço, a história desenrola-se nas lembranças dos seus amigos: Mestre Poupa, um bombeiro já falecido e André Juliano, que cumpre uma pena de prisão; do seu amor não correspondido, Antoninha das Dores, da qual guarda a imagem desta, acabada de ser salva de um incêndio, nos braços de Chico Biló despida; entre outras lamúrias.
A maioria destas recordações são passadas num café da Vila, onde todos os dias – sendo já como uma rotina – o Sr. Portela vai e toma um café enquanto fuma os seus cigarros.
Escolhi ler este livro, porque de início estava um pouco perdida sobre qual o critério de escolha que deveria ter e optei por fazer a selecção dos títulos mais apelativos, lendo de seguida a sinopse do mesmo e lendo também a página final. Depois deste processo, escolhi o livro em cima apresentado: “O Fogo e as Cinzas”.
Não gostei muito deste conto, pois as repetidas vezes em que o autor descreve actos do passado e do presente da vida da personagem principal, faz com que o livro se torne confuso e a história perca nexo. Apesar deste incidente, consegui retirar do conto uma citação  que aprecio e destaco: “Nunca a sentira tão feminina e frágil, tão necessitada e sem amparo, da sua imensa força. E, baixando a cabeça, de lábios estendidos, António da Alba Grande procurou a boca da rapariga.”. Esta citação decorre quando António da Alba – um das personagens secundárias do conto – tem que escolher qual das duas gosta mais,  Adriana, uma rapariga de classe alta ou Zabela, uma rapariga de classe baixa, que aos olhos de Adriana era uma reles empregada.

Correção do Teste

Grupo I


1. Identifica e caracteriza o sujeito poético presente neste poema. Justifica a tua resposta. (10 pontos)
Na Cantiga de Amigo que aqui se apresenta existe a voz de um sujeito poético, as "meninhas". De acordo com o poema, estas "meninhas" são "fremosas" (verso 9), "en cós" (verso 9), "de bom parecer" (verso 15), expondo a sua beleza e graciosidade feminina.

2. Determina que a caracterização do sujeito poético está de acordo com aquilo que são as convenções deste género de poesia. (20 pontos)
A(s) menina(s), enquanto sujeito poético deste género de cantigas aparece normalmente caracterizado com marcas que a(s) identicam com a sua beleza juvenil, a sua formosura, mas também, em certos ambientes, com a ideia de saudade por exemplo.

3. Ao longo deste poema são referidas outras personagens.
3.1. Identifica-as. (5 pontos)
Ao longo do poema são referidas outras personagens que são as mães ("madres")  e os amigos.

3.2. Caracteriza-as. (10 pontos)
As "madres" surgem ao longo do poema com a responsabilidade de cumprirem promessas "candeas queimar". Por esse motivo elas rezam e estão em peregrinação. Os amigos, por sua vez, são nomeados ao longo do poema como aqueles para quem as atenções das "meninhas" de dirigem. A eles cabe simplesmente a tarefa de observar ("cousir") as "meninhas" que, para esse efeito, se preparam cuidadosamente de maneira a seduzi-los.

3.3. Refere qual o papel que cada personagem desempenha ao longo do poema. (10 pontos)
As meninas desempenham o papel de bailar e seduzir os amigos. As mães são as personagens responsáveis pela peregrinação e pelo cumprimento de promessas. Aos amigos resta apenas apreciar a beleza natural das meninas.


4. Identifica o espaço referido ao longo do poema e determina a sua importância ao nível da classificação desta cantiga. (10 pontos)
O espaço referido ao longo do poema é a Ermida de San Simon de Val de Prados. Em virtude de existir a nomeação das mães e das meninas enquanto cumpridoras de promessas, em peregrinação, podemos classificar esta cantiga como uma Cantiga de Romaria. No entanto as diversas alusões ao motivo da dança permitem-nos classificar também esta cantiga como uma Bailia ou Bailada.

5. Descrever a ação contida nesta cantiga. (20 pontos)
A Cantiga nomeia várias ações. Há uma alão central que consiste no facto de umas "madres" partirem em peregrinação a San Simon de Val de Prados. É no contexto desta peregrinação que são referidas as ações praticadas pelas meninas e pelos amigos. A saber: as meninas vão bailar; os amigos vão observar as danças das meninas.

6. Como explicas que, embora o sujeito poético seja feminino, o autor do poema seja masculino. Justifica a tua resposta. (15 pontos)
As Cantigas de Amigo obedecem na sua formulação a um conjunto de regras convencionais. A este respeito podemos afirmar que, a exemplo da cantiga apresentada, o poeta compõe os seus versos servindo-se da voz de uma menina que tem por objecto o amor por um amigo.


Grupo II


1. Determina que o poema explicita o seu próprio projeto, quanto do tipo de cantiga e ao modelo poético. Justifica a tua resposta. (20 pontos)
Quanto ao tipo de Cantiga podemos classificar este poema como uma Cantiga de Amor. O trovador, dirigindo-se à sua amada identifica-a como um ser superior ao qual presta vassalagem. O modelo que subjaz a esta cantiga é o modelo provençal, tal como podemos observar em "Quero eu em maneira de proençal" (verso 1).

domingo, 23 de outubro de 2011

125 Poemas - Antologia Poética de Joaquim Pessoa

Li a Antologia Poética de Joaquim Pessoa devido a uma certa curiosidade em ler poesia, e por ser um livro que já ha muito queria ler mas nunca tinha lido. 
Apesar de ter poemas um pouco menos interessantes ou digamos assim, bonitos de ler e ouvir, tem muitos outros poemas lindíssimos que nos prendem ao livro por completo e nos fazem querer ler mais e mais, e acabamos assim por mergulhar no livro, tornando-se este um livro bastante fácil de ler.
Joaquim Pessoa nasceu no Barreiro em 22 de fevereiro de 1948. Iniciou a carreira no Suplemento Literário Juvenil, do Diário de Lisboa. O seu primeiro livro veio a público em Março de 1975. Ao último original foi atribuído o Prémio de Poesia de 1981 da Secretária de Estado da Cultura. Segundo o poeta e ensaísta David Mourão Ferreira "o largo sopro de muitos dos seus poemas faz de Joaquim Pessoa um dos poetas progressistas de hoje mais naturalmente de capazes de comunicar com um vasto publico".
Por ultimo, aqui está um poema que eu não li nem referi na apresentação.

Amor Combate

Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.

Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. É sol. É Primavera.
Amor intenso. amor imenso. amor instante.
O nosso amor é uma arma. É uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa.
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.

Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.
são a flor do aloendro.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Seguir Em Frente por Andre Dinis
A vida dá muitas voltas...
E quando achamos que a última volta está dada
Acontece uma revira volta!

... Somos surpreendidos com o inesperado,
mas o sentimento continua agravado.

Somos Invadidos por uma tristeza imensa,
mas com o passar do tempo a dor já não é tão intensa.

Somos interrogados por nós mesmos,
mas a resposta não se explica nem que tentemos.

Somos algo pensativo,
mas a cabeça não sabe identificar o que fizemos de significativo.

Mexemos conosco, remexemos e voltamos a remexer e sabemos
que na nossa cabeça temos de meter "se aconteceu é porque tinha de acontecer"

O destino ainda tem surpresas
que aguardam por aparecer,
mas ninguem sabe se nos vão favorecer

Como descobrir?
SEGUE EM FRENTE e aguarda por elas
mais tarde ou mais cedo descobrem-se...

Apresentação do livro "Auto da Alma"

Li o livro "Auto da Alma" de Gil Vicente, pelo facto de gostar bastante de Teatro e de querer ver obras distintas do "Auto da Barca do Inferno" deste autor. Parti para esta leitura talvez com algumas ideias do que seria esta obra, pelas opiniões que já tinha ouvido...
A história começa enquanto a Alma, acompanhada pelo Anjo, vão caminhando rumo ao Paraíso. No entanto, o Diabo aprece e começa a aliciar a Alma, oferecendo-lhe coisas, nomeadamente dizendo que ela poderia retornar à vida.
A princípio a Alma resiste... Mas essa resistência não dura muito mais, pois ela acaba por ceder a uma das ofertas do Diabo, e veste um luxuoso manto e uns sapatosde Valência (muitos conhecidos e conceituados na altura).
Ao ver que a Alma cedeu ao Santanás, o Anjo, apesar de um pouco desapontado com a atitude dela, não a abandona e continuam o percurso rumo ao Paraíso.
Acabam por chegar à Igreja (que aprece no fundo como uma figura soberana) onde estão os quatro Doutores da Igreja: Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Tomás e São Jerónimo. Lá, a Alma cofessa que não sabe de onde vem e não sabe bem quem é.
Entretanto, o Diabo está lá fora furioso e pensa que a Alma vai sair da Igreja e vai ter com ele. Mas isso não acontece.
Ao ouvir a história de Jesus Cristo, contada pelos quatro Doutores auxiliados pela Estalajadeira (que é como é apresentada a Igreja), a Alma arrepende-se de ter aceite as prendas do Diabo e de ter pecado. Despe o manto e descalça os sapatos e acaba por ficar com o Anjo.

Eu associei uma passagem específica do livro, quando a Alma confessa que não sabe de onde vem, assim como não sabe bem quem é, à Filosofia. Pois, no fundo, estas dúvidas desta personagem acabam por se tornar questões filosóficas. Isto corresponde à seguinte passagem do livro:
"Não sei pera onde vou:
sou selvagem,
sou ua alma que pecou
culpas mortais
contra Deos que me criou
à sua imagem
  Sou a triste, sem ventura,
criada resplandecente
e preciosa,
angélica em fermosura
e per natura,
como raio reluzente
lumiosa.
E por minha triste sorte,
e diabólicas maldades
violentas,
estou mais morta que a morte
sem deporte,
carregada de vaidades
peçonhentas."
No entanto, para mim, esta obra teve uma significado muito maior do que o facto de estar ligado à Filosofia. Aqui, Gil Vicente, realçou a importância que a amizade pode ter. O facto de um amigo não ser aquela pessoa que está sempre lá para nos dizer que estamos a fazer tudo bem, mas sim aquele que nos chama a atenção quando estamos a ir por caminhos errados e quando tomamos decisões menos conscientes. Amigo é aquela pessoa que, como o Anjo foi para a Alma, nunca nos abandona, apesar de nem sempre sermos correctos para com ela.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O que é para mim a poesia...

       Para mim a poesia é a capacidade mais honesta que alguém tem em fazer transparecer por palavras o que sente em determinada altura.       
      Podermos escrever o que pensamos, o que sentimos, as nossas emoções e as vivências de toda uma vida é espectacular. É ainda mais importante que essas palavras sentidas sejam comentadas e abordadas por pessoas de fora, pois como não estão presentes na nossa vida dão uma opinião imparcial sobre tudo o que escrevemos. Mas por vezes o resultado não é o que esperamos, pois essas pessoas podem formar opiniões e pontos de vista diferentes do que tínhamos pensado ao construir o poema, partindo do mesmo inicio (o texto que nós escrevemos).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O que é para mim poesia?

A poesia é um género lírico que recorre a muitas figuras de estilo e usa muito a conotação em cada frase que afirma, sendo considerada uma arte devido à estética da sua linguagem literária. Nela retrata-se estados de alma, amores, saudades, entre outros assuntos.
Para mim, a poesia é algo muito pessoal, quem a escreve passa para o papel um sentimento profundo.
Quando alguém lê poesia, tenta compreender o que leu, depois de certa forma vai “desvendar” as palavras que a compõem até apreender o significado do poema, acabando por criar uma opinião sobre ele e por vezes se apropriar do mesmo, revendo-se ou reconhecendo o que lê.
Na minha opinião, quando um poema é dado a conhecer pela primeira vez ao ouvinte, o declamador deve lê-lo de uma forma fiel, tentando transmitir o sentimento real do escritor, captando os ouvintes, entrosando-os no poema; tornando-os poetas enquanto ouvintes.

O que é para mim a Poesia?

Na minha opinião a Poesia é uma forma de escrita que, dependente dos poemas, é um pouco subjectiva, pois pode ter várias interpretações. É uma forma de o escritor se expressar... É pôr todos os sentimentos no papel, onde as palavras soam de forma melódica. No fundo, a Poesia é uma forma do Poeta se fazer notar. De modo directo ou inderecto, todos mostram um lado diferente de si quando escrevem, sendo que cada um pode ter uma marca própria. Para mim, é impossível ficar indiferente a um poema, seja pela forma como é escrita, pela sua mensagem, ou apenas por um simples verso que pode ter tanto significado. A Poesia é maravilhosa, e é uma forma de ver a vida.

O que é para mim poesia?

Para mim poesia é um conjunto de estrofes que exprime sentimentos de uma maneira mais bonita e mais complicada de entender do que um simples texto narrativo.
Poesia é sentimento puro, entender cada frase é a única maneira de desvendar e entender todo o poema em si.
Eu acho que na poesia nao importa sobre do que se trata o texto mas sim a maneira como é falado, porque há textos poéticos que dizem coisas completamente descabidas mas que por trás tem uma mensagem especial e poesia a meu ver também é isso, é interpretar as coisas de uma maneira diferente de como as vemos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Terminologia

As cantigas ou são ateúdas ou não o são. Ateúdas são aquelas em que o discurso continua de cobra para cobra, com encavalgamentos sucessivos. Existem ateúdas sem finda e ateúdas com finda. 


Finda é o destacado rebordo final usado por certas cantigas para generalizações resumitivas do assunto delas. Em geral, as rimas da finda são as últimas da última cobla.


Deve considerar-se a cobla como a unidade de estrutura e de sentido de uma cantiga. A cobla é afectada por repetições internas que são antes de mais "exercícios" de coesão discursiva: o dobre e o mordobre (ou mozdobre).

Dobre é a repetição de uma palavra na cobra e (optimizando) na mesma posição estrutural. Há dobres internos e dobres em posição de rima. Diferentes cobras escolherão diferentes palavras para dobre.


Mordobre é a repetição da mesma palavra diferentemente flexionada, em posição estrutural idêntica, e em rima ou não. Podem considerar-se imperfeitos os dobres e os mozdobres quando estes não ocorram em todas as coblas, ou quando seja diferente a sua posição estrutural.

Rima
Palavra perduda é o nome dado ao verso que em todas as coblas e na mesma posição estrutural aparece sem correspondência rimática.

Palavra rima é o nome dado ao processo pelo qual uma palavra ou um sintagma se repetem em posição de rima na mesma posição em todas as estrofes. Quando existam excepções a palavra rima será imperfeita; quando se conjuguem dobre e palavra rima, teremos a palavra rima dobrada.


Rima derivada é o nome dado ao processo pelo qual palavras em variação flexional, ou derivadas por sufixação ou prefixação, aparecem numa cantiga em posição de rima, de forma mais ou menos sistemática. Pode entrar pelos domínios do mordobre.


Paralelismo consiste grosso modo na repetição de estruturas sintáctico-semânticas, com finalidades rítmicas e para sublinhar intencionalidades de sentido.

Paralelismo literal consiste na repetição de um verso em coblas diferentes (normalmente sucessivas) com variação no final. A variação atinge-se por substituição de sinónimos ou por transposição quiásmica.

Fala-se de repetição literal quando o verso é integralmente repetido, quer no refrão, quer fora dele.

Leixa-prem consiste na repetição integral de um verso com uma cobla de intervalo, tal que o segundo verso da primeira cobla é o primeiro da terceira e assim sucessivamente. Prefere acentuadamente os dísticos e vem sistematicamente associado ao paralelismo literal.

As cantigas são estruturadas como géneros, classificáveis em maiores, menores e/ou contaminados. A tripartição opera com os géneros maiores: cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e mal dizer. Os outros tendem a ser recolhidos na área destinada ao escárnio e mal dizer.

Américo Lindeza Diogo, Lírica Galego-Portuguesa, do que foi sendo, do que possa ser

domingo, 9 de outubro de 2011

Cantiga de Amor de Sofia Serra

Como a chuva cai do céu,
Caiu-lhe o coração
E no meio de tanta emoção
Mesmo sem ser amado
Continuava apaixonado

Como a chuva bate no chão,
Bate-lhe o coração,
Doi-lhe o peito com força
Ao pensar naquela mulher,
que o tanto fazia sofrer

Como o vento rouba tudo,
Perdeu sentido o mundo
E tudo o que sentia no fundo.
E pela noite fora sofreu
Ao pensar em tudo o que já viveu.

sábado, 8 de outubro de 2011

Cantiga de Amigo de Inês Soares

Cantou ela o que eu sinto
Por me ver fremosa
Mia irmana, treides comigo
Bailemos nós por meu amado
    Bailemos i, bailemos agora
    Antes que ele se vá embora

Contou ela o que eu sinto,
Por só me ver de uma maneira
Enamorada por meu amigo
Bailo eu a noite inteira
    Bailemos i, bailemos agora
    Antes que ele se vá embora

O Pomar das Laranjerias-Madredeus

Dom Dinis "O que vos nunca cuidei a dizer" (Cantiga de Amor)

1. MEDIEVAL MUSIC. GALICIA. ONDAS DO MAR DE VIGO

A Cantiga de Escárnio e Mal-Dizer

«Este género trovadoresco, de valor poético restrito, tem uma larga significação histórica e social. Nele se exprime a visão pitoresca e satírica que os nossos homens medievais tinham do seu próprio mundo. O estilo rude e obsceno do escárnio é um grande documento linguístico, pela raridade do seu léxico, particularismo e variedade das nomenclaturas, afoiteza e espontaneidade dos giros sarcásticos. Com a língua crua aparece o mundo concreto que ela exprime. À falta de uma prosa arcaica autóctone de verdadeira ficção, a cantiga de escárnio e mal-dizer, com as Cantigas de Afonso o Sábio, é a nossa primeira literatura narrativa, galeria de retratos e quadro de costumes - conto e chufa.
A sátira provençal conhecia três modos: o «sirventês» moral, que satirizava a cavalaria em crise, as mulheres e o clero devasso; o «sirventês» político, critica das guerras feudais e cismas religiosos; enfim, o pessoal, ou sátira privada. Também a nossa poesia satírica primitiva acusa planos diferentes. A cantiga de «escarnho» era impessoal e velada, uma verdadeira carapuça. A de mal-dizer chamava as pessoas e coisas pelos seus próprios nomes, criando uma literatura grosseira, pré-rabelaisiana, de enormidades e violências proferidas quase ingenuamente. Vinham depois os joguetes de arteiro, as risadilhas, a cantiga de seguir ou paródia, e a própria tenção lírica com ressaibos de chufa. Assim a verdadeira poesia alternava com o gosto polémico e faceto, taõ do feitio peninsular. As cantigas de amor e de amigo degeneravam algumas vezes em puros escárnios de amor. Meter a ridículo as «dõas» trocadas pelos amantes, cantar as velhas presumidas e feias, as intimidades de alcova, as raparigas pintadas, são preferências de autênticos poetas como Pedr' Amigo de Sevilha, Guilhade, Pero Garcia Burgalês e Pero de Armeá.
Outros, troçando do cavaleiro famélico e do senhor pobre e presumido, antepassado dos fidalgos de Gil Vicente, denunciam o trovador que fala dos Lugares Santos e alardeia sabenças, os poetas com fome e sem talento, os pais que aposentam num bom casamento as filhas, os rábulas, os maus juízes, os bruxos, as éguas lázaras.
Mas o puro género satírico é o que se apodera de escândalos colectivos ou de pessoas escandalosas de significação social. A felonia dos alcaides de D. Sancho II indigna Vuituron, Diogo Pezelho e outros poetas. Burgalês e Pero de Ambroa tomam à sua conta uma bailarina ou soldadeira galega, a Balteira, que seduzia os grandes senhores, jogava os dados, se fez cruzada numa surtida de Afonso X a Tunes e acabou freira no mosteiro do Sobrado, em estilo de grande pecadora. Outros tomam de ponta D. João Soares Coelho por ter cantado uma ama de leite na corte de Afonso o Sábio. É todo um certame de gazetilhas, para que contribuem Esgaravunha, Vuituron, Alvelo, Guilhade e dois grandes jograis, Lourenço e Bolseiro. Lourenço foi pedra de escândalo de uma larga e azeda polémica, a primeira questiúncula de capelas da literatura portuguesa. Era jogral do trovador Guilhade, e brigaram. Lourenço atreveu-se a aconselhar o amo a mondar as cantigas; Guilhade ameaçou que lhe abria a cabeça com o próprio citolon. Outro poeta de estirpe, D. João de Aboim, chama-lhe asno. Rodrigu' Eanes barra-lhe o acesso ao paço, e o pobre Lourenço, desabafando contra a avareza e ganância dos privados, refugia-se na corte de Afonso X, onde Joan Vasques insinua que ele teria fugido de Portugal por matador ou ladrão. Mas vive lá próspero e tranquilo.
Outras vezes são os poderosos que se queixam de quem lhes está por baixo. É Afonso X, que, abandonado por muitos dos seus cavaleiros na repressão da revolta dos muçulmanos andaluzes (1260), pede à poesia a desforra de uma bela invectiva (CV, 77) ou descreve com brio a fuga dos ginetes cristãos na refrega de Alcalá, quatro anos depois (CV, 74). Finalmente, a troça aos cavaleiros e infanções que descem de condição e exploram o povo dos concelhos tenta Pero da Ponte e outros poetas do tempo. O cancioneiro escarninho ilustra como uma água-forte as injustiças e podres da sociedade medieval. Gravado com verve e brutalidade, é o reverso da nossa medalha lírica. A flor da avelaneira e a do verde pinho caem e deixam no seu lugar o sincero estadulho lusitano.»

Vitorino Nemésio

La Reverdie - Troppo perde 'l tempo [Lauda, Italian Anon. and Jacopone da Todi, 13th century]

A Cantiga de Amigo

«A grande originalidade da cantiga de amigo é o artifício confessional que lhe dá a designação. O poeta fala como se fosse a mulher; põe-se nos casos dela, imagina o seu estado - esperança, sobressalto, decepção. A mascarilha feminina trai um modo sub-reptício de configurar sentimentos e uma homenagem do varão, que ao mesmo tempo dá voz a quem por insuficiência ou recato a não tem.
Podemos distinguir dois tipos deste género, do ponto de vista formal: a bailada (a que alguns chamam impropriamente serrana ou serranilha, e cossante, - de de «cosso», CURSU: «dança»), composição tradicional, descritiva, de talhe paralelístico, caracterizada por uma espécie de  espiral rítmica que o refrão vai monotonamente fixando: e a cantiga culta, contaminada pelo vocabulário cortês, de paralelismo reduzido como na cantiga de amor, e às vezes sem refrão (cantiga de mestria). Quanto aos temas e entrecho, distinguiremos: a pura confidência lírica, ao modo da cantiga de amor, mas mais verdadeira e vivida; a tenção ou diálogo com o amigo, a amiga, ou a mãe. As conversas entre esta e a filha sobre os propósitos e merecimentos do namorado constituem o tipo de tenção mais curioso. A mãe é discreta, vigilante, severa ou concessiva, verdadeiro poder moderador ou anjo tutelar dos leais namorados. Citaremos enfim dois subgéneros, raros no galego-português: um, de origem francesa e aparentado com a tenção, a pastorela, em que um cavaleiro requesta a pastora cauta ou indiferente: verdadeira cantiga don-juanesca, quando não é um simples desabafo de pastora; e a alba, de fonte erótica, tipo harmonioso de poesia de luz e de júbilo, de que só Nuno Torneol deixou um exemplo perfeito.
Mas mais importantes do que as formas da cantiga de amigo são as suas situações e matizes sentimentais. O amor galego-português aparece tenso e súbito: um simples olhar selou para sempre dois destinos. Só a confissão é receosa, intimamente trabalhada pelo recato e pela dúvida. A própria certeza do amor correspondido gera uma alegria difusa, que se fecha consigo à chave. E logo concessões a meio, arrufos, pequenas provações calculadas. Só o sentimento do perjúrio, a imagem de «o que mentiu do que pôs comigo», abrindo o coração da amiga dá força e desespero a um amor de mágoa e mesura. A mãe então suaviza, aconselha, compreende. Às vezes vai mais longe, e leva o seu recadinho... Mas o papel de intermediária cabe sobretudo à amiga da mesma idade - uma mediação inocente, avisada, sem descaros de Celestina. Assim a cantiga de amigo se mantém nos limites de um pequeno drama lírico, de amor depurado e profundo, nascido da vida caseira e criado no longo apartamento.»

Vitorino Nemésio

Os Géneros Galego-Portugueses

«O nosso lirismo medieval oferece dois aspectos: estranho e autóctone. A cantiga de amor, forma culta e cortês, nasce do contacto dos nossos trovadores com a poesia provençal. A cantiga de amigo, de molde paralelístico  e inspiração fluente, é fundamentalmente tradicional. Mas as duas interpenetram-se e fecundam-se: há ressaibos paralelísticos nalgumas cantigas de amor, cortesia e requinte nas de amigo. O labor sábio e a experiência psicológica da arte trovadoresca enriqueciam naturalmente o género mais simples, que era o nosso. O prestígio estrangeiro começava por desnaturar a inspiração dos poetas nacionais que, como Martim Soares, desdenham da poesia de vilãos; mas, passado o entusiasmo da revolução e o aprendizado, a espontaneidade impunha-se. E em meados do século XIII a poesia galego-portuguesa desenha as suas feições inconfundíveis. A mulher é o seu objecto e um dos seus maiores agentes. Nas festas de Santiago de Compostela, centro de peregrinações religiosas que traziam de toda a România Ocidental, através do caminho francês, os romeiros jacobitas de cabaça no bordão e vieira no chapéu, as mulheres cantavam composições amatórias que a Igreja repelia ou policiava. As soldadeiras batiam adufe e castanholas, enquanto os jograis tocavam cítola. A própria condição da mulher recatada modificou-se com as repetidas ausências do homem no fossado, no ferido e nos serviços pessoais do Rei. As suas responsabilidades familiares aumentavam. A vida doméstica e dos campos gerava uma poesia íntima, feita da saudade dos ausentes, do recato das raparigas vigiadas pelas mães, dos desabafos e complacências das amigas e das vizinhas. É um lirismo burguês, insinuante, espalhado por segreis ou cavaleiros pobres, muito diferente da poesia subtil e aristocrática da Provença. A sua antiguidade transparece em arcaísmos de linguagem conservados no início da cantiga, que era em geral um tema tradicional que o poeta desenvolvia em versos encadeados.
Embora o foco de irradiação do lirismo galego-português fosse a Galiza, o culto de Santiago é menos representado que o dos santos locais de Riba-Minho: Santa Maria de Leiras, do Lago, de Leça, S. Servando, S. Leuter, S. Simon, Santa Cecília, S. Clemenço do Mar. Estes pequenos santuários tornavam-se centros de alusão poética; a cantiga de romaria fazia-se gracejo e coita de amor.
Tecnicamente, a cantiga de amigo - de que a de romaria ficou como simples variedade - caracteriza-se pela repetição de um motivo fundamental em versos paralelos, processo incisivo e simples, próprio das necessidades elementares do ritmo popular, periódico e dançado. A cantiga de vilãos seria cantada ao som do adufe. A liturgia fixaria a técnica responsória. Nos salmos, um coro cantava um versículo, outro cantava o versículo seguinte, e ambos, com todo o povo, atacavam a antífona como se fosse um refrão. O processo paralelístico da poesia popular ainda hoje é patente na muiñeira galega e na cantiga retornada da região de Moncorvo. Os trovadores cultos aperfeiçoaram este processo, chamado leixa-pren, iniciando cada estrofe com o último verso da anterior.
Apesar do fundo tradicional da nossa poesia trovadoresca, a cultura francesa, bem como a provençal, foi decisiva para o seu enriquecimento.
Muito antes da vinda de clérigos e cavaleiros franceses com D. Henrique e D. Raimundo havia sinais de influência transpirenaica no Noroeste da Península. O camino francés conduzia os romeiros a Santiago. Nas ermidas do Noroeste queimava-se cera de Paris. Celebravam-se na Galiza os feitos dos Doze Pares; Roldão era tido como santo; havia sufrágios anuais em Compostela por alma de Carlos Magno; importava-se a letra carolíngia; o rito galicano influía no culto católico. No século IX há portugueses que se chamam Pepinos, Raimons, Carlons. No século X circula dinheiro galicário; no século XI vestem-se saias franciscas; Afonso VI, Imperador, casa por duas vezes com princesas de França; estreitam-se laços com monges cluniacenses e cistercienses. No século XII D. Afonso Henriques dos terras estremenhas a cruzados: Atouguia, Louirnhã, Alenquer, etc. D. Sancho I alarga a colonização francesa a Vila «Franca», Sesimbra, Aldeia «Galega» - isto é, dos «galécios» ou franceses do sul, por oposição aos «francos» ou nórdicos.
Apesar destes contactos estrangeiros, inventariados por Lapa, a familiaridade dos nossos poetas com o lirismo provençal disseminado em toda a França fez-se fora daqui, durante a emigração em Leão, junto de Afonso IX, provocada pela conduta autoritária do nosso D. Afonso II. Fidalgos portugueses poetas, como D. Gil Sanches, filho de D. Sancho I e da Ribeirinha, e D. Abril Peres, neto materno de D. Afonso Henriques, refugiaram-se entre 1211 e 1216 na corte vizinha, onde trovadores provençais, como Aimeric de Péguilhan, Peire Vidal e Marcabru encontravam ambiente propício. Esses e outros estrangeiros deviam já conhecer a existência do nosso lirismo. Raimbaut de Vaqueiras (1158-1219), ao versejar em cinco línguas, não esquece um romanço que parece português corrompido. Raimon Vidal, nos find do Século XII, estropia a nossa língua em três versos; mas já Bonifácio Calvo, genovês tardio, se mostra seguro nela.
Os géneros poéticos galego-portugueses são três: as cantigas de amor, as de amigo, e as de escarnho e mal-dizer. A cantiga de amor é a ponte de passagem da técnica e do requinte provençalescos. Mas o carácter subtil e um pouco frio dessa poesia estrangeira humanizou-se no temperamento triste e saudoso dos nossos. Os sentimentos galego-portugueses, de uma gravidade anelante, sem esperança e quase sem desejos, fizeram da cantiga de amor uma pura confidência lírica, curta e diáfana. O refrão tradicional comunicou-se-lhe e deu-lhe uma cadência de onda, suspirosa e repetida. Os nossos poetas têm a consciência da originalidade do que fazem. D. Dinis, quando quer trovar à moda de fora, anuncia-o, e acusa os provençais de não serem poetas senão «no tempo da fror». A intimidade do nosso lirismo primitivo excluía os temas «vernais» da poesia da Provença: isto é, a pura descrição do tema primaveril. Só na pastorela e na alba os nossos falam do sol-nado e do «papagai», do «estorninho» e de «tôdalas aves do mundo». O resto são tristezas de amor, encontros na vila, na fonte volvida pelos cervos, no adro da ermida serrana. Os protestos de amor até à morte e as queixas de abandono exprimem-se em composições que têm o contraponto do refrão ou se desenham na secas proporções da mestria provençalesca.
O traço principal do amor cortês é a vassalagem à mulher. A expressão preito e menagem invade a cantiga de amigo, mas perde em sentido feudal o que ganha em dádiva pura. É uma rendição de sentimentos. No amor português trovadoresco não há os graus complicados de acesso do trovador provençal às graças da sua dama. Tudo se resume no simples «entendedor». ou seja o que sente e declara o seu coração cativo. O namorado ou amigo recebe da amiga uma «dõa» ou sinal, um pouco de cabelo ou garceta, às vezes o cordão da camisa. Isto lhe basta. Tem de ser comedido, fechar-se num afecto distante. Alguns, como Pero de Palmeira do Livro de Linhagens e o João Soares de Paiva de que fala o Marquês de Santilhana, ou Macias o enamorado, morrem de puro amor. O gosto da tristeza, o recalque, a fidelidade de olhos baixos, perspectivas de morte e de renúncia, uma solidão que sorri e se contenta de si são a substância e o timbre da nossa cantiga de amor.»

Vitorino Nemésio

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

As Origens do Lirismo Medieval

«A mais antiga manifestação do génio literário português é a poesia trovadoresca. A sua origem liga-se ao problema das fontes de todo o lirismo românico, questão delicada e obscura.
A explicação mais ampla deste lirismo é a que atende ao estado social e cultural da Europa medieval: cavalaria; vivacidade tradicionalista dos povos romanizados; estética dos poetas latinos que, como Ovídio, dispunham de uma sólida retórica ao serviço do amor e da natureza; o gosto da dança e do canto; andanças de guerra e feira; o culto de Maria comunicado à vida mundana. A mulher começou a ter larga influência social na alta Idade Média. Assim como a Virgem intercedia a Deus pelos homens, a dona servia de medianeira aos vassalos junto do seu senhor. Daí toda uma série de costumes e festas populares e corteses que se polarizavam na mulher. A vassalagem política gerou uma vassalagem cultural de signo feminino e de fidelidade sentimental.
O amor fez-se intelectual e simbólico, fingido, «Cuidar» e «cosirar» (provençalismo) traduziam, na linguagem poética, o estado de íntima absorção do amoroso; «fenhidor» (provç. «fenher») significava uma ficção de amante, o vassalo de coração. Estes sentimentos traduziam, a par do requinte dos costumes, a secularização da arte e da vida interior. Não era uma literatura herética, mas era uma poesia profana, que, ao lado do culto cristão, explorava sentimentos naturais irresistíveis. E, em todo o caso, era uma forma de contágio dos afectos confessados (já não só religiosos) a toda a vida de relação.
Durante o Romantismo procurou-se explicar a poesia romântica medieval pela dos Árabes da Andaluzia. Mas o lirismo arábico clássico, ao contrário do nosso, era exterior e metafórico, sensual e colorido, sem as séries de temas simples e encadeados que o galego-português apresenta. É certo que Ibne Cuzmane, poeta cordovês falecido em 1160, deixou um cancioneiro de zéjeis em árabe vulgar matizado de romantismos, em que Julião Ribera quis ver influências galegas, contrabalançadas pelas da música arábica, na génese do nosso lirismo. Entre estas últimas figuram a importação ou adaptação de alguns instrumentos mouriscos: o arrabil, o alaúde, o adufe, o tambor. Mas a suposta filiação do rondel românico no zéjel arábico é contrariada pelo carácter deste, que aliás deriva de uma forma cultivada por Mocádem de Cabra, poeta cego do século X.
A explicação das origens da alba, da pastorela e da canção da mal-maridada (que quase não existe entre nós) pelas «caroles» ou danças de roda francesas também não se deve admitir. Engenhosa é a doutrina que filia os mesmos géneros e a sua graça primaveril nas antigas festas de Maio. Há evidentemente vestígios pagãos no gosto ocidental pela verdura e pelas fontes. Mas são tradições e práticas populares sem grande reflexo na nossa poesia erótica.
Em Santiago de Compostela, o culto do Apóstolo cujo corpo se dizia arribado às Espanhas desenvolveu uma poesia de santuário e da natureza, expressa em formas paralelísticas ingénuas. Os muçulmanos falavam, do Noroeste ao Sul da Península, um romanço mesclado de arabismos propagado aos moçárabes, o que prova o ascendente da civilização cristã sobre os primeiros. Os muçulmanos de Silves improvisavam na própria língua. Mas a cultura arábica, superior à nossa em ciência, nas técnicas e na arte de narrar, era-lhe liricamente inferior. A nossa cantiga de amigo não parece ter nada de comum com a poesia arábica.
O Romantismo, crente no génio anónimo do povo, inclinou-se também para a origem folclórica da poesia provençal, dialogal e bailada, referindo ao tronco arábico só a canção de amor. Mas a própria poesia popular nasce de autores pessoais. Os jograis, gente do chão, levavam a seiva da poesia do povo à poesia cultivada, não havendo lugar para distinguir geneticamente as duas.
Outra tentativa de explicação do fenómeno trovadoresco é a dos filólogos do médio-latim, que foi a língua de uma literatura rude e apaixonada. A sua poesia rítmica, cheia de sinceridade e de força, não seria indiferente aos poetas provençalescos. O clero médio-latinístico trovava de amor idealizado; os goliardos e clérigos vagantes arrastavam pelas tabernas as vozes do amor libidinoso. Mas o lirismo provençal permanece independente e novo em face dessa dupla erótica do território francês. A sua língua própria é a língua de oc: a do Languedoc, da Provença.
Porventura culturalmente influída pelo médio-latim eclesiástico, a poesia trovadoresca tem seiva popular nos seus temas e módulos, Os seus poetas chamam-se trovadores, palavra que não assentará, como se pretendeu, no verbo turbare, muito empregado na pesca (turvar a água), mas em tropare (fazer tropos ou trobos, como ainda se diz em Trás-os-Montes). O «trobo» profano seria um canto seria um canto parodístico e coreográfico, e recebia o nome de «versus». As formas litúrgicas compreendiam a ladainha, a sequência, o hino; as profanas também o rondel, e influenciariam com o seu fundo popular a rítmica e a métrica litúrgicas.
A cultura medieval, alatinada, cristã e cavaleiresca sobre um fundo pagão sempre pronto a aflorar, adaptando ao calendário católico o culto pagão das estações, dos bosques de das águas deu alma, matéria e sentido floral a toda a poesia românica, que é possivelmente um fenómeno compósito, aliança de múltiplas tendências.
Impressionantemente decisiva a favor da existência de uma poesia românica tradicional anterior aos trovadores galego-portugueses é a descoberta feita em 1948, pela hebraísta Stern, de vinte poesias em hebreu, as moaxás, terminadas por alguns versos em romanço moçárabe transliterados em hebreu – as jaryas, em que a moça morre pelo amante (habib), que lhe leva o coração e onde figuram a mãe e as irmãs confidentes. Garcia Gomez publicou depois análogas moaxás em árabe, renovando-se assim o problema das origens, esmerilado no sentido do tradicionalismo poético por Manéndez Pidal Dámaso Alonso, Eugénio Asencio e outros.»

Vitorino Nemésio