Romantismo
«Foi
na Inglaterra e na Alemanha que, em meados do século XVIII, alguns poetas
voltaram as costas aos modelos do classicismo, inspirando-se na Natureza, tal
qual a viam e não tal qual Horácio e outros antigos lha mandavam ver. O
sentimentalismo subjectivo veio assim substituir a gama imensa, mas limitada,
de temas catalogados pelos Gregos e Romanos. Nunca mais os escritores
aceitariam temas impostos do exterior. Deixar-se-iam arrastar – isso sim – pela
evocação do popular, do medievo, do exótico, pela exaltação da liberdade, pelo
«eu», medida do Universo, pela fascinação do nada, do abissal, da morte, da
noite.
Em Portugal
O
início do romantismo em Portugal anda, extrinsecamente pelo menos, ligado às
lutas civis entre miguelistas e liberais. Por duas vezes, depois da
Vila-Francada e da Abjuração da Carta, muitos partidários de D. Pedro IV
tiveram de exilar-se em Inglaterra e em França. Quis a Providência que entre
esses emigrados estivessem os jovens escritores Almeida Garrett e Alexandre
Herculano.
Psicologia do homem
romântico
1. O
culto do «eu»
Contra o objectivismo absorvente
e a sujeição às regras escravizantes dos neoclássicos, apregoam os românticos a
independência, o espírito individualista, a violenta exaltação da própria
personalidade. O «eu» é o grande, o máximo ser objectivo; o mundo externo terá
apenas a realidade que nele projectar a inteligência e a imaginação da pessoa
que o examina e o vê. Sem caírem de borco no idealismo filosófico,
embrenharam-se, pelo menos, num idealismo poético. Na génese desta atitude
está, sem dúvida, a concepção do «eu» da filosofia idealista de Fichte e
Schelling.
2. Ânsia
de liberdade
Do acentuado individualismo do
homem romântico brota naturalmente o desejo histérico de partir todas as
cadeias que o prendem à colectividade. Daí a ânsia de liberdade em todos os
sectores da vida: liberdade na literatura, na indústria, no comércio, na
política, na consciência, na manifestação dos sentimentos e instintos.
a)
Liberdade política. A vontade do rei deixou de ser
soberana para o romântico. O cidadão deve manifestar livremente as suas opiniões
e ter mesmo desimpedido o caminho que o conduz à governança pública. Se for
preciso, gritará contra os tiranos, promoverá revoluções.
b)
Liberdade moral. Para o romântico a norma de
moralidade não é constituída pelos ditames da sã razão, nem muito menos pelas
crenças religiosas. A única norma a que deve sujeitar o seu viver é o instinto,
é o fogo da paixão. Reconhecerá, no entanto, a necessidade afectiva de Deus e
da religião.
c)
Liberdade nos sentimentos. Diz Ortega y Gasset que, antes
do romantismo, costumava o homem envergonhar-se das suas emoções, tão orgulhoso
se sentia das suas ideias. A razão era, com efeito, um dique maciço e
irremovível a conter a manifestação dos sentimentos, ainda mais os legítimos. O
homem romântico dinamitou esse dique, para se deixar arrastar pelas mais
violentas emoções.
3. Angústia
metafísica
O
humanista julgava-se seguro na vida, com os dois pés bem assentes no mundo,
depois de descobrir as leis da Natureza, que julgava perfeita, e sobretudo
depois de ganhar a convicção de que ele a dominava e ela o servia. O romântico,
encerrado no seu egocentrismo, perdeu toda a confiança na razão e nas suas
possibilidades. A vida é para ele um problema insolúvel. O instinto mostra-lhe
a toda a hora a existência de forças estranhas que ele não domina, que nem
sequer conhece, e que, apesar de tudo, o conduzem pela existência adiante, como
que arrastado por um cego destino. A Natureza, essa, contempla impassível a sua
dor. A resolução dos seus problemas está longe, muito longe. O homem romântico
levanta então os olhos para o infinito e para o absoluto que o homem clássico
ignorou. Sente uma nostalgia intensa de algo distante no tempo e no espaço.
Busca esse algo, quer atingi-lo, mas, quanto mais anda, mais longe o vê. Chega
assim ao desespero. A inquietação febril e a angústia metafísica surgem inevitavelmente.
4. O
espírito idealista
Olhos
fitos num mundo superior que a razão não sabe definir, o romântico começa a
idealizar, a fazer de conta. Não se contenta com o prosaísmo das festas da
Corte, com o indiferentismo irónico, com o cepticismo do século XVIII. O seu
coração generoso deixa-se embalar num certo espiritualismo e vai lançar-se no
culto da Humanidade, da Pátria, da mulher. E então encaminha toda a
potencialidade do seu ser para a filantropia, para o patriotismo, para o amor.
E fica a sonhar.
5. O
choque com a realidade: pessimismo e evasão
O
romântico, como acabamos de ver, idealiza o mundo, construindo-o no ar, ou
sobre castelos de areia. Quando baixa à terra, não encontra esse mundo. A
Humanidade não o compreende; a Pátria, se for preciso, desterra-o; a mulher ou
não é um anjo ou atraiçoa-o. Que há de fazer?
Deste
choque brutal com a realidade provém o desengano e para esse desengano só
existe uma solução: fugir. Uns fogem de terra em terra, como Chateaubriand,
Byron e Garrett; outros refugiam-se na
Idade Média ou na paisagem do exótico Oriente, como Walter Scott, Herculano e
Vítor Hugo; outros vão mais longe e suicidam-se, fugindo assim apressadamente
para a eternidade, como Kleist, Nerval, Camilo, Antero, Trindade Coelho.
O
que dissemos destes autores verifica-se mais ao pé da letra nos heróis criados
ao abrigo dos cânones do romantismo: evadem-se no tempo e no espaço,
refugiam-se no sonho e no fantástico, na orgia e na dissipação.»
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